A cultura de Niterói como motor econômico pós-pandemia
Atualizado: 27 de fev. de 2021
Entrevista concedida a Luiz Augusto Erthal
(Colaboraram Claudionei Abreu e Apio Gomes)
O orçamento recorde da área cultural deste ano registra um salto de cerca de 5 para 21 milhões de reais. Esse é o combustível para impulsionar um ousado plano de contribuição da cultura para a retomada econômica de Niterói na pós-pandemia, concebido secretário das Culturas, Leonardo Giordano.
Assim como os investimentos públicos tiraram, nos anos 30 do século passado, os Estados Unidos da grande depressão, o chamado New Deal também seria, para Giordano, a inspiração de um grande projeto de fomento pela prefeitura do setor cultural da cidade com o objetivo de usar a cadeia produtiva da cultura como fator de geração de renda e emprego.
A explosão cultural sonhada pelo secretário, porém, não visa só contribuir para a recuperação econômica do município. Ele também deseja marcar o momento do abraço tão aguardado por todos, depois da fase de distanciamento social imposta pelo surto de coronavírus, com um grande evento já batizado de "Niterói encontra Niterói".
Ex-vereador e candidato a vice-governador pelo PCdoB nas eleições de 2018, em chapa formada com o PT, Leonardo Giordano falou para o TODA PALAVRA na entrevista que segue, de poucas perguntas, dado o grande volume de planos e informações que, em poucas semanas à frente da Secretaria das Culturas, ele já tinha para oferecer a estas páginas.
TP – Secretário, gostaria que o senhor falasse sobre os seus principais projetos para o setor cultural.
Leonardo Gionardo – Eu entendo que um problema muito importante da cultura é, depois deste processo da pandemia, a retomada econômica do setor cultural. Esta é uma questão grave, porque pode desarticular a cadeira produtiva da cultura de uma forma muito importante. E Niterói perder quantidade, qualidade de produção cultura e empregos das pessoas que estão envolvidas nesta cadeia é preocupante.
A cadeia cultural é vasta: vai além da costureira e do figurinista. Por exemplo, agora estamos com edital para executar reformas e investimentos em centros culturais. Isto passa também pelos pedreiros que vão fazer a reforma física do equipamento cultural que vai servir à população. Então, há toda uma cadeira produtiva que precisa ser pensada e defendida neste momento de pandemia.
TP – Então, de certa forma, a cidade começou a fazer a parte protetiva com estes programas, certo?
Leonardo Giordano – A gente está pensando que esta questão é um problema muito importante: um desafio muito importante da gestão. Neste momento, a gente tem o edital que vai premiar 50 projetos, a um investimento de 1 milhão de reais – 50 projetos que serão premiados com R$20 mil reais cada. E quando a gente fala destes 50 projetos, está falando em centenas de pessoas envolvidas: trabalhadores.
"O que vamos fazer em Niterói é uma espécie de New Deal da cultura: uma série de investimentos públicos que alavanque o setor cultural"
Cada projeto envolve um coletivo: um grupo cultural da cidade – um microempreendedor que, de alguma forma, está participando deste processo de fomento da cultura nesta fase difícil. Esta é uma questão importante.
O que vamos fazer em Niterói é uma espécie de New Deal da cultura: uma série de investimentos públicos que alavanque o setor cultural; que construa uma capacidade de resistência e superação no setor cultural em relação à pandemia.
Outra coisa que considero importante é o estabelecimento da cultura como um direito do cidadão. Isto tem a ver com a discussão da participação popular; tem a ver com o chamamento dos setores da cultura da cidade para um pacto que envolva a população como um todo.
Temos uma preocupação geral e estratégica com a retomada, com a normalidade. E o auge da política de retomada – o símbolo – é o seguinte: quando a gente tiver vacinado maior parte da população e nossos teatros puderem voltar a estar lotados; quando nossos centros culturais estiverem podendo aglomerar – quando estiver tudo normal, vou fazer uma grande atividade em Niterói, que vai ser “Niterói encontra Niterói”. Lembra-se quando tivemos atividades como “Niterói encontra Espanha”, “Niterói encontra Japão”, “Niterói encontra Cuba”? Eu vou fazer “Niterói encontra Niterói”.
Será um momento em que a gente vai revisitar a memória da Cidade; a cultura da Cidade; valorizar os artistas da Cidade: ocupar todos os palcos e as programações dos equipamentos com artistas da cidade de Niterói.
Acho que a mesa de abertura do "Niterói encontra Niterói" deveria ser com todos os ex-prefeitos da cidade juntos, presididos pelo Axel nesta cerimônia. Então, eu acredito numa mesa que tenha Waldenir de Bragança, Jorge Roberto Silveira, Godofredo Pinto, Rodrigo Neves abrindo um "Niterói encontra Niterói", com um debate sobre o futuro da cidade, a história e o futuro da cdidade.
É a oportunidade de juntar estes personagens que foram importantes na história de Niterói, na abertura de uma vasta programação cultural – que é um encontro da Cidade consigo mesmo.
E isto vai coincidir com um momento em que a Cidade volta a se abraçar; um momento em que os niteroienses vão poder, finalmente, estar juntos em grandes espaços. Este encontro é o ápice – o símbolo da política de retomada econômica. E vai injetar recursos e força neste momento na nossa cidade. Ele compreende e amarra bem as políticas de retomada que já estamos fazendo e que seguiremos fazendo até chegar neste grande encontro. Então é esta a discussão da retomada.
TP – Este momento de abraço seria também uma forma de marcar a grande vitória sobre a pandemia...
Leonardo Giordano – Ele é investimento no setor cultural da cidade, a valorização da memória, da cultura, dos agentes culturais da cidade; é um marco histórico do encontro da cidade consigo própria – é a grande celebração da volta do momento do abraço. Depois do isolamento, Niterói se encontra consigo própria.
"A Carta de Direitos é uma visão ampliada de consolidação dos direitos culturais da cidade"
Outro eixo nosso é o “Cultura é direito”. A gente quer construir um processo que fortaleça a participação, a descentralização dos investimentos culturais por toda a cidade. Então, com isto, passaremos a ter investimento em todas as áreas de Niterói; e também uma consolidação dos direitos culturais da cidade.
Isto tem a ver com a Carta de Direitos que a gente vai elaborar. Só existe uma cidade no mundo que fez isto, que é San Luis Potosí, no México – a única cidade do mundo que já fez isto e que tem uma Carta de Direitos municipais.
Vou tentar dar um exemplo: primeiro, um grandão; depois, um pequenininho para você traduzir o que é a Carta de Direitos.
No grande, imagine que a gente tem a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Então, você tem uma declaração da cidade de Niterói sobre os direitos culturais – que não são favor e que não é entretenimento. São direitos culturais.
Mas quando vamos para o micro, esta declaração vai listar todos os serviços culturais que são oferecidos na cidade e vai consolidar coisas que já existem, mas que não são leis.
A gente vai produzir uma Carta de Direitos que vai passar a – de forma estruturante – colocar os direitos de Niterói. Então, vou citar um exemplo: todo niteroiense tem direito à gratuidade em museus e centros culturais. A Secretaria das Culturas pratica isto porque quer. E pode extinguir a qualquer momento. Eu quero consolidar como direito.
Todo artista de rua tem direito a se apresentar nos logradouros de Niterói. Eu quero consolidar isso na Carta de Direitos.
Os investimentos de cultura não podem se centralizar em um único bairro ou região. Quero consolidar isso na Carta de Direitos.
Portanto, a Carta de Direitos é uma visão ampliada de consolidação dos direitos culturais da Cidade, das conquistas. Então dentro tem um montão de políticas públicas, por exemplo, os editais da secretaria vão passar a ser editais participativos. Então, quero que a sociedade e o conselho de políticas culturais de Niterói formulem os editais. Não quero mais formular o edital partindo do governo: quero que a cidade me diga o que a gente tem que ter de edital público, o que temos que ter de ação pública.
Vamos construir esta linha de editais participativos, construir uma política de participação e decisão de orçamento participativo da cultura. E todas estas linhas são muito legais: estão todas debaixo deste guarda-chuva que é "Cultura é Direito".
A Carta de Direitos é o símbolo deste projeto; é a ação marcante, em que, dentro dela, estão todas as outras ações de participação, de discussão, de democracia. É um eixo de democracia cultural. A Carta de Direitos está para este eixo assim como o "Niterói encontra Niterói" está para a retomada: é o símbolo. E aí tenho uma porção de projetos abaixo.
Também queremos lançar o estabelecimento de um portal em que o cidadão, a cidadã vai poder ver os serviços culturais oferecidos por toda a cidade. Tudo que a secretaria faz estará consolidado em um único local, este é um eixo também muito importante.
Também queremos diversidade para os editais. Então, faremos isso com cota para as mulheres, LGBTI+, negros e negras... Valorizar isso está inserido nesta ideia geral de democracia cultural – expressa na Carta de Direitos e traduzida em um monte de políticas públicas. Estes eixos da gestão consolidam esta visão.
Aí, a gente tem também (que é uma outra coisa que a gente quer fazer na Secretaria) uma política de formação. Esta política de formação tem a ver com formação de plateia, mas também formação de agentes culturais…
Então, queremos oferecer oficinas culturais descentralizadas pela cidade toda; construir uma política de formação dedicada à formação de conselheiros e conselheiras de cultura para que cobrem um bom serviço da Secretaria. Então, é ter uma escola de formação para que eles cobrem um bom orçamento, cobrem da gente os resultados de forma mais qualificada.
Acho que a marca maior desta nossa linha, na área de formação, tem a ver com tentar estabelecer em Niterói alguns símbolos: uma escola de artes, um programa vigoroso de oficinas culturais enfiados nos lugares (tipo ter oficinas nas comunidades de Niterói).
Acho que esta ideia é uma ideia muito forte de descentralização. E esta discussão ganha contornos na oferta do centro cultural público da Zona Norte; de investimentos culturais que tenham a ver com esta questão de formação de plateia, de novos talentos da Cidade, formação artística; e dos conselheiros e das câmaras setoriais para que aumentem a fiscalização sobre o poder público.
"Assim como Niterói se encontrou com vários países do mundo, vai se encontrar agora com a sua produção cultural local"
TP – Este conceito de New Deal para cultura pode ser bastante arrojado, mas exige fortes investimentos...
Leonardo Giordano – Acredito que a cultura será uma das prioridades do governo para a retomada econômica. Esta é uma visão minha e que o Axel também tem. Como a gente vai ter que fazer investimento pesado na retomada – importantes investimentos –, acho que a cultura vai ter um papel muito importante na retomada econômica da Cidade.
O recorde histórico de orçamento para a Secretaria de Cultura é nosso orçamento. Pode ser que tenha alteração, mas não será muito grande. Você imagina que a secretaria, que tinha um orçamento entre 5 e 6 milhões de reais agora está indo para 21 milhões. Os números hoje. Não tenho consolidação destes números, porque ainda haverá a reunião de impacto fiscal, mas R$21 milhões é o que eu tenho hoje.
TP – Então podemos dizer que pode chegar a 21 milhões...
Leonardo Giordano – Isto, pode chegar a 21 milhões. E são as minhas emendas que eu aprovei quando era vereador. Aprovei R$16 milhões de reais em emendas para a secretaria. São as minhas emendas parlamentares que agora encontro aqui como secretário. Eu acho que dá. E a decisão do prefeito é o elemento mais importante da questão dos investimentos. Mesmo que os investimentos sejam robustos, eu quero fazer mais. Acredito que o Axel pode fazer isto. Vai ter uma estratégia da prefeitura e não só minha como secretário, uma estratégia de retomada econômica e a cultura vai ter um lugar privilegiado dentro desta estratégia, porque dentro das atividades econômicas ela é uma das que responde mais rápido em termos de geração de emprego e renda. É igual ao investimento em construção civil, que gera emprego e renda. A cultura também tem esta mesma capacidade de forma muito veloz."
Edital da Retomada Econômica do Setor
Cultural recebeu quase 900 propostas
A chamada pública de Retomada Econômica do Setor Cultural encerrada no último dia 25 de janeiro, alcançou um número expressivo de 879 propostas enviadas por 519 proponentes. Com investimentos da Secretaria das Culturas/Fundação de Arte de Niterói na ordem de 1 milhão de reais, a ação contemplará 50 projetos, divididos em 3 categorias. Leonardo Giordano, que chegou a prorrogar as inscrições do edital, também comemorou os resultados.
Um Centro Cultural
para a Zona Norte
Esta casa da fotoabaixo, na Alameda São Boaventura, já em processo de desapropriação, será transformada no primeiro Centro Cultural da Zona Norte de Niterói, dentro da proposta da pasta de descentralizar as ações culturais, de acordo com Giordano.
Esta matéria foi reproduzida da edição impressa do TODA PALAVRA com circulação em fevereiro:
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