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A cúpula dos covardes

Eduardo Vasco


Realiza-se nesta terça-feira (04) uma cúpula emergencial dos países árabes para discutir planos próprios de reconstrução de Gaza, após quase um ano e meio de aniquilação total do território palestino pelo exército israelense.


O encontro é uma resposta às declarações de Donald Trump sobre uma limpeza étnica de Gaza que seria conduzida para transformá-la em um grande balneário turístico, sem palestinos, que seriam expulsos para a Jordânia e o Egito. Mesmo após o repúdio internacional a essa proposta – com exceção de Israel, que ficou com água na boca –, o presidente dos EUA e especulador imobiliário dobrou a aposta e divulgou um vídeo fantasioso de como seria Gaza no futuro, uma espécie de Trumplândia bizarra.


Trump sabe que pode humilhar os árabes como quiser. Os líderes da região estão acostumados e parecem não se importar muito. Ele expôs parte dos planos em reunião com o próprio rei da Jordânia na Casa Branca, mostrando quem é o lado dominante na relação. Inclusive descartou retaliações caso esses países recusassem sua proposta: “não preciso ameaçar isso.” Os líderes árabes são cãezinhos dóceis.


E estão domesticados, porque são clientes dos Estados Unidos. Dependem do apoio de Washington para permanecer no poder. O Egito é o exemplo mais claro: Trump cortou praticamente toda a “ajuda” externa do governo, com exceção daquela que vai para o Cairo e, obviamente, para Tel Aviv. Al-Sisi não tem qualquer apoio popular e a ditadura militar egípcia só se sustenta pela corrupção e o dinheiro dos EUA, do FMI e do Banco Mundial. Logo, os generais estão nas mãos de Trump.


Dados de outubro de 2024 apontam para a presença de 40.000 militares dos EUA em serviço no Oriente Médio, presentes em ao menos 19 localidades espalhadas pelo Egito, Jordânia, Bahrein, Iraque, Kuwait, Catar, Arábia Saudita, Síria, Emirados Árabes Unidos, Omã e Turquia – além de Israel, claro. O Catar, por exemplo, é sede do quartel-general do Comando Central das forças armadas americanas. O Bahrein, da 5ª Frota Naval. O Kuwait e a Arábia Saudita têm quase dez bases que já operam há décadas. A Turquia é membro da OTAN desde 1952 e também hospeda mais de dez bases americanas.


Não há condição para o exercício de uma soberania real por parte desses países se os seus líderes estão sob as botas dos soldados americanos. Por isso o apoio que alguns dão aos palestinos é extremamente limitado, ainda que em alguns casos pontuais seja de grande relevância para a resistência. O máximo que esses regimes podem fazer é um jogo duplo. Alguns ainda fornecem apoio financeiro, armado ou logístico, mas insuficiente. Outros, apenas um apoio moral da boca para fora. Alguns, como Bahrein e EAU, chegam ao ponto de perseguir os simpatizantes da causa palestina e reprimir quem denuncia o genocídio cometido por Israel.


Realmente não se trata apenas de não terem feito nada de efetivo para parar a carnificina contra crianças e mulheres palestinas. Alguns ajudaram esse genocídio concretamente. As bases militares e soldados dos EUA nesses países, uma vez que Washington é o grande patrocinador das ações de Israel, são utilizadas diariamente para fornecer apoio ao exército israelense. Além disso, países como Jordânia, Arábia Saudita e Emirados Árabes fornecem material de inteligência a EUA e Israel sobre as movimentações e planos do Eixo da Resistência.


Mas o mais grave é o apoio direto a Israel. As exportações do Cairo para Tel Aviv dobraram em maio de 2024, comparadas com o mesmo mês do ano anterior – apesar das humilhações impostas por Israel ao Egito, com o assassinato de militares e as crises em Rafah. Ou seja, enquanto ao menos 35.000 palestinos já haviam sido dizimados (segundo números oficiais), o Egito duplicava o envio de produtos essenciais para manter a máquina de guerra israelense. 


O mesmo foi observado sobre as exportações da Jordânia e dos Emirados Árabes, enquanto as da Turquia diminuíram mas não cessaram e garantiram um apoio importante para a sobrevivência do regime de Netanyahu, apesar das vociferações de Erdogan em comícios populistas.


Após permitirem a destruição de Gaza, agora querem discutir sua reconstrução. Muitos temem que a dispersão de palestinos fora de Gaza desestabilize a frágil estrutura política e social de seus países. A causa palestina é a causa comum de todos os povos do Oriente Médio e fator de instabilidade interna no Egito, na Jordânia, no Líbano, no Kuwait e em outros países nas últimas décadas. Além disso, as monarquias e empresários cataris, emires, sauditas e turcos poderão obter bons lucros e influência na pretensa reconstrução de Gaza. Claro, em parceria com o capital norte-americano e europeu, porque, mesmo que declarem oposição a uma “Riviera do Oriente Médio”, sabem que os EUA e Israel não vão abrir mão do que conquistaram nesse genocídio.


Enquanto os líderes árabes se reúnem novamente para projetar o futuro de Gaza, Israel continua desrespeitando o cessar-fogo, atacando a zona, bloqueando o acesso de ajuda humanitária, retendo os sequestrados que deveriam ser devolvidos, e abre novas frentes, com a invasão à Cisjordânia há mais de um mês (inclusive com tanques) e o deslocamento forçado do maior número de habitantes desde 1967.


Eduardo Vasco é jornalista e colaborador do TODA PALAVRA. Foi correspondente de guerra na Ucrânia, cobrindo o conflito do lado russo.

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