top of page
banner felicidade é viver aqui niteroi canal 728x90 29 11 24 .jpg

As ‘janelas quebradas’ do poder público em Niterói

José Messias Xavier*

Em 1982, a revista The Atlantic Monthly, de Boston, Massachusetts, publicou artigo, assinado pelo cientista político James Q. Wilson e pelo psicólogo criminologista George Kelling, no qual, em linhas gerais, eles defenderam que há relação direta entre desordem pública e criminalidade. Assim, o grande público tomou conhecimento sobre a “Broken Windows Theory”, ou “Teoria das Janelas Quebradas” – não confundir com a “falácia da janela quebrada”, paradoxo criado pelo economista francês Frédéric Bastiat no século XIX. O curioso nome tem origem na experiência prática em que os autores se basearam para formular sua tese.

Em 1969, pesquisadores da Universidade de Stanford usaram dois carros: um foi estacionado em um bairro pobre de Nova York, o Bronx, enquanto o outro ficou em uma área nobre da rica cidade de Palo Alto, Califórnia. No dia seguinte, o primeiro estava depenado e o segundo, o do lugar chique, intacto. Este veículo permaneceu no mesmo local por mais alguns dias, sem sofrer danos.

Em princípio, estava comprovada a relação entre pobreza e criminalidade, até que um dos cientistas teve a ideia de quebrar duas janelas do carro intocado. O resultado é que, ao amanhecer, havia restado praticamente apenas a carcaça do automóvel. Segundo o coordenador do estudo, o psicólogo Philip Zimbardo, em Palo Alto, “a maioria dos vândalos adultos eram brancos bem-vestidos”.

A conclusão do estudo é que, ainda que em uma localidade considerada segura, ocupada por moradores com melhor formação erudita e condições econômicas acima da média, basta uma pequena transgressão para que o ordenamento público se deteriore, às vezes rapidamente. Portanto, ao evitar, com agilidade, delitos menores, o que equivale a consertar uma janela quebrada, as autoridades, segundo a teoria, coibiram os crimes graves.

A “Teoria das Janelas Quebradas” originou diversos programas públicos desde então, em sua maioria voltados para a melhoria da qualidade de vida nos municípios. Mas terminou confundida com a chamada “política de tolerância zero”, adotada e difundida pelo então prefeito de Nova York, Rudolph ‘Rudy’ Giuliani, nos anos 90, que determinou medidas duras, muitas delas violentas, para combater a criminalidade na cidade. Na realidade, a segunda é uma infeliz consequência da não percepção da primeira.


Casos em Niterói

Niterói tem um caso emblemático dessa falta de atenção para com a “Teoria das Janelas Quebradas” e seus resultados. Em abril de 2019, o jornalista Luiz Augusto Erthal publicou no jornal TODA PALAVRA ampla reportagem denunciando o perigo iminente de desabamento ou incêndio de grandes proporções em que viviam moradores do edifício N.S. da Conceição, no número 327 da Avenida Amaral Peixoto, coração financeiro da cidade.

Esse quadro dramático, no entanto, foi fruto de anos de descaso do poder público em relação ao prédio, que permitiu a ocupação irregular do local e a degradação da construção e de todo o sistema elétrico. Com a ausência do Estado e da municipalidade, traficantes de drogas e prostitutas se instalaram em vários apartamentos; casos de homicídios e assaltos cresceram na região; políticos – muitos mal-intencionados – passaram a fazer falsas promessas em troca de votos; quando a energia foi cortada por falta de pagamento, “gatos” de luz passaram a ser comercializados por quadrilhas; e vazamentos de água escorriam pela escadaria. Ao tomar conhecimento da situação, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) entrou na Justiça e lançou mão da “política de tolerância zero”, desocupando e lacrando, com concreto, o edifício.

Um outro exemplo – entre vários – começa a se desenhar no bairro de Piratininga, área nobre da Região Oceânica de Niterói, para onde a Prefeitura destinou mais de R$ 500 milhões em obras, com o objetivo de alavancar a vocação residencial e turística da localidade, inclusive investindo pesado em projetos de acessibilidade, visando, como prioridade, o remodelamento urbano, o transporte público e a instalação de ciclovias.

A realidade, contudo, revelou-se muito diferente das pretensões da municipalidade. Obviamente, houve, em um primeiro momento, uma valorização confortável dos imóveis. Mas a própria Prefeitura permitiu, ao longo da principal via da Região, a Estrada Francisco da Cruz Nunes, a instalação de extravagantes igrejas neopentecostais, um pequeno complexo industrial e até uma boate/casa de espetáculos, entre outros empreendimentos.

As igrejas, com um grande fluxo de fiéis em seus carros particulares, promoveram os estacionamentos irregulares na região, inclusive impedindo o acesso às rampas de deficientes; a indústria, ligada a uma loja de venda de quadriciclos e veículos aquáticos, quando recebe suas mercadorias, trava, por pelo menos duas horas, o trânsito na rua e deixa entulho de caixotes e plástico na calçada; e a boate/casa de espetáculos, que funciona invariavelmente à noite e na madrugada de portas abertas com músicas em alto volume, também em dias de semana, não atrai turistas, mas um público essencialmente de jovens, que usam as vias como banheiro, dirigem alcoolizados, fazem algazarras, incomodam os moradores e, por fim, só beneficiam o estabelecimento financeiramente. Há violações claras de leis em níveis federal, estadual e municipal. Nem mesmo os estudos de impacto de vizinhança e ambiental, obrigatórios pelas regras da cidade, foram feitos, aparentemente, em todos esses casos.


Um recorte do problema


Rua Eurico Aragão: despejo de entulho nas calçadas e a boate Zen em frente à via residencial

Um recorte interessante do que acontece na região é a Rua Eurico Aragão, que abriga dois galpões do complexo industrial, está em frente à boate/casa de espetáculos e muito próxima a três igrejas. Os moradores da primeira quadra recebem o impacto direto dos empreendimentos. Para os demais, o caos é mais atenuado, à exceção da algazarra dos jovens, que tocam em suas casas na madrugada. Mas o que todos sofrem em comum é o crescimento da presença de pedintes e ladrões, que invadem as residências na ausência de seus ocupantes. Foram atraídos para o local pelo volume de frequentadores das igrejas, dos shows e música eletrônica noturnos e pelos restos deixados na rua pela loja de quadriciclos. E encontram abrigo nas quatro favelas que circundam a localidade.

Os habitantes da primeira quadra acionaram a Prefeitura e o Ministério Público sobre a casa noturna e o galpão, que coloca lixo na calçada. Apesar da fiscalização notificar os dois estabelecimentos, efetivamente o problema não foi resolvido. A Polícia Militar, através do programa Niterói Presente, chegou a deter invasores de residências, que foram liberados na delegacia por terem cometido o que é considerado pequenos delitos. No entanto, nada faz em relação à casa noturna, à indústria e às igrejas – muitos policiais, inclusive, são fiéis desses templos. Alguns proprietários de imóveis na Eurico Aragão, por sua vez, frequentam a casa noturna, apesar do incômodo que ela causa em seus vizinhos. Mas todos reclamam dos moradores de rua e dos invasores de residências, instalaram câmeras e alarmes de segurança e criticam duramente o poder público por não apresentar uma solução.

Temos, então, uma visão clara do principal argumento da "Teoria das Janelas Quebradas” à nossa frente: proprietários de estabelecimentos transgressores ou delinquentes de rua apostam na impunidade para continuar a infringir as leis, graças à falta de uma fiscalização mais intensa; som alto, jovens bêbados, invasores de residências ou o estacionamento irregular não são considerados delitos de maior poder ofensivo, por isso chegam a ser tolerados, tanto pelos próprios moradores de uma localidade – à exceção dos furtos nas casas –, quanto pelas autoridades públicas. Não há, pois, a percepção de que essa desordem irá estimular os crimes mais graves, como assaltos e o tráfico de entorpecentes, entre outros.

Talvez haja uma maior mobilização dos moradores para cobrar uma ação do poder público, quando o valor de seus imóveis despencarem, como já temem alguns corretores, que atuam na Região Oceânica. E talvez as autoridades se deem conta de que é mais fácil e mais barato impedir uma desordem urbana em seu início, antes que ela saia do controle. Mas, por enquanto, ninguém parece preocupado com o assunto.

* José Messias Xavier é jornalista, escritor e atuou na área de segurança interna e externa por 15 anos.

Kommentare


banner felicidade é viver aqui niteroi canal 300x250 5 12 24.jpg
Chamada Sons da Rússia5.jpg
Divulgação venda livro darcy.png
bottom of page