Bolsonaro diz agora que pandemia 'afligiu desde o início'
Depois de, ao longo da pandemia, ter negado a gravidade do coronavírus, tripudiado a ciência, dito que havia "histeria" em torno da doença, causado aglomerações sem usar máscara e chamado brasileiros de "frouxos", o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira (16), durante o lançamento do plano de vacinação contra a Covid-19, que a pandemia "afligiu desde o início" e que "não sabíamos o que era esse vírus". No discurso no lançamento do plano, Bolsonaro não pediu desculpas ao povo brasileiro, fez seu marketing pessoal e posou ao lado do símbolo da campanha, uma espécie de "Zé Gotinha" retrô, como se a pandemia estivesse começando agora para ele.
O presidente mudou completamente o tom de seus discursos habituais, usou pela primeira vez desde o início da pandemia as palavras "irmanados" e "união" e disse que, se alguém tomou alguma atitude exagerada durante a pandemia, foi no "afã de encontrar uma solução".
"Realmente, nos afligiu desde o início. Não sabíamos o que era esse vírus, como ainda não sabemos em grande parte, dr. Caiado [Ronaldo Caiado, governador de Goiás, que é médico]. E nós todos, irmanados, estamos na iminência de apresentar uma alternativa concreta para nos livrarmos desse mal", afirmou Jair Bolsonaro em sua retórica.
"A grande força que todos nós demonstramos agora é a união para buscar a solução de algo que nos aflige há meses. Se algum de nós extrapolou ou até exagerou, foi no afã de buscar solução", completou.
Ao longo desta pandemia, os discursos de Bolsonaro têm se caracterizado por críticas e ofensas contra os que defendem, como governadores e prefeitos, medidas para conter a propagação do coronavírus, como o isolamento social e fechamento de parte do comércio - que são recomendadas por autoridades sanitárias.
Um dia antes do lançamento do plano de imunização da população - ainda sem data para começar -, o presidente disse que não tomará a vacina e que os brasileiros devem assinar um termo de responsabilidade antes de serem imunizados - no que foi prontamente criticado por especialistas, tanto na área sanitária quanto na área jurídica.
"Ao invés de ir para televisão, ir para mídia para fazer uma campanha de esclarecimento, da importância da vacinação, ele coloca que a vacina não é importante, que a vacina vai fazer mal a saúde e que a população não deve se vacinar”, criticou a epidemiologista Carla Domingues, da UFES, citada pelo IG.
"Não há qualquer base jurídica para a exigência de termo de consentimento para a administração de vacinas, desde que aprovadas pelos órgãos sanitários e incluídas nos planos de vacinação oficiais do governo. Não se trata de tratamento médico ou experimental com riscos de vida dos pacientes, mas sim de política pública de saúde com notório interesse público. Caso aprovadas pela Anvisa, a administração dos imunizantes prescinde da necessidade de termos para sua distribuição à população", afirmou o advogado Marcos Vinícius Macedo Pessanha, especialista em Direito Público Administrativo.
O plano
O Plano Nacional de Operacionalização da Vacina Contra a Covid-19 foi anunciado em cerimônia no Palácio do Planalto nesta quarta, após o governo já ter entregue uma versão dele ao Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada por determinação do ministro da corte, Ricardo Lewandowsky A previsão é imunizar inicialmente 51 milhões de pessoas dos grupos prioritários, mas datas não foram especificadas. Autoridades não usaram máscaras na cerimônia.
Falaram na cerimônia, além do presidente, o secretário de Vigilância Sanitária, Arnaldo Medeiros e o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.
Segundo o governo, o plano prevê quatro grupos prioritários que somam 51 milhões de pessoas, que receberão duas doses em um intervalo de 14 dias entre a primeira e a segunda injeção, mas não especificou as datas. Isso vai exigir 108,3 milhões de doses.
Ainda de acordo com o governo, a vacinação no Brasil deve ser concluída em 16 meses: quatro meses para vacinar todos os grupos prioritários e, em seguida, 12 para imunizar a "população em geral".
Primeiro a discursar, o secretário de vigilância do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, disse que o governo vai começar nesta quarta-feira (16) uma campanha de comunicação dividida em duas etapas.
A primeira é voltada a "transmitir segurança à população" em relação à eficácia das vacinas que o Brasil vier a utilizar. A segunda etapa será o momento de chamar as pessoas para receber as doses.
"Prepare-se e cuide-se porque o que nós queremos é um Brasil imunizado, porque somos todos uma só nação", disse Medeiros.
CoronaVac na lista
Inicialmente, o plano leva em conta apenas a vacina desenvolvida em parceria da Universidade de Oxford com o laboratório AstraZeneca. O Brasil tem acordo para receber 100 milhões de doses desse imunizante até julho. No segundo semestre, a previsão é de que a Fiocruz, parceira de Oxford e da AstraZeneca, produza 160 milhões de doses. Os investimentos do governo nessa vacina são de R$ 1,9 bilhão.
Mas o governo já informou que pretende comprar todas as vacinas avalizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Pazuello anunciou a inclusão da Coronavac, do Instituto Butantan, de São Paulo, - e motivo de disputa política entre Bolsonaro e o governador João Doria - em uma lista chamada de "adesão do Brasil às vacinas". Dela fazem parte a vacina de Oxford, a da Pfizer, a Bharat Biotech, a Moderna e a Janssen, além do consórcio da Covax Facility, da OMS.
"Se houve erro até aqui, eu não vi", disse Pazuello.
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