Especialistas analisam eleições polarizadas de outubro
A corrida presidencial entrou em uma nova fase nesta sexta-feira (5). Findadas as convenções partidárias que definiram os nomes escolhidos por cada partido para concorrer ao pleito, o eleitorado brasileiro tem, agora, um "cardápio de opções" para analisar.
Para analisar as particularidades da conjuntura destas eleições, a Sputnik Brasil conversou com os cientistas políticos Carolina Botelho, doutora em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e Luiz Signates, professor e coordenador do Núcleo de Pesquisas em Comunicação, Cidadania e Política da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Uma das principais características do pleito deste ano é a polarização. Mas tanto Carolina Botelho quanto Luiz Signates destacam que ela não é uma novidade, e existe antes mesmo de 2014, quando Dilma Rousseff e Aécio Neves travaram uma disputa acirrada.
"Ela é uma condição natural do processo político, e no caso brasileiro a gente tem se polarizado há décadas. O que tem de diferente hoje é a radicalização de uma parte do eleitorado que defende uma determinada liderança que, por sua vez, também é bastante radicalizada", diz Carolina Botelho.
Já Signates afirma que a polarização no Brasil é um reflexo de diversos fatores, entre eles a desigualdade entre as camadas mais altas e mais pobres da população. "Neste, que é um dos países mais desiguais, injustos e violentos do mundo, isso não é pouca coisa e, a partir de então, emergiu a polarização como um modo político, eleitoral e democrático de disputa de classes."
Segundo ele, "a divisão política, nem sempre respeitosa, é, portanto, resultante do profundo fosso econômico existente na própria sociedade".
Outro diferencial desta eleição é o alcance do discurso liberal e religioso. Se em 2018 ele foi amplamente usado por vários candidatos, nesta eleição parece ter perdido um pouco de força.
Questionado sobre o que ocasionou essa mudança, Signates destaca que a atuação de Jair Bolsonaro enfraqueceu a agenda.
"À medida em que a população foi reconhecendo que seu liberalismo era sem planejamento nem resultados, que sua religião não tem conteúdo de espiritualidade autêntica e que seu conservadorismo é de ocasião, e, não apenas isso, que a pauta moral anticorrupção, que o elegeu, é falsa a ponto de ele usar o poder do Estado para desarticular todos instrumentos de investigação à sua volta, com essas constatações, o discurso dele deixou de produzir os efeitos necessários de confiança e credibilidade do eleitorado", diz Signates.
Carolina Botelho concorda que o discurso liberal perdeu força "na medida que ele [Bolsonaro] não entregou para grande parte desse setor aquele liberalismo que ele vendeu". Porém, ela destaca a conjuntura existente em 2018.
"A pauta do liberalismo em 2018 era forte, a gente estava num momento de crise fiscal muito grave, e o pós governo Dilma reforçou parte da população se apoiando e defendendo medidas mais austeras e com maior responsabilidade fiscal. Então, ele soube capitalizar em torno de si essa agenda, que, na verdade, nunca foi a agenda dele. Foi eleitoral mesmo", explica a cientista política.
Outra grande particularidade destas eleições é o recrudescimento de força do PT. Se em 2018 o antipetismo foi uma das forças motrizes que elegeu Bolsonaro, hoje Luiz Inácio Lula da Silva desponta como principal candidato passível de vencer o pleito, mesmo em primeiro turno.
Questionado sobre que motivos desencadearam essa reviravolta na opinião do eleitorado, Signates destaca que o antipetismo tinha como raiz a crise econômica vivida no segundo mandato de Dilma Rousseff e a operação Lava Jato, que segundo ele, ganhou contornos midiáticos. Ele afirma que o recrudescimento de força do PT ocorreu porque após o impeachment de Dilma "a crise econômica aprofundou-se e a Lava Jato foi desmascarada pela revelação das relações promíscuas de Moro com a acusação, que levaram à absolvição de Lula, por um STF que inicialmente apoiara o juiz de Curitiba".
Outra diferença no pleito atual em relação aos anteriores é presença inédita de duas chapas inteiramente femininas, compostas por presidenciáveis e vices mulheres – Simone Tebet (MDB) e sua vice, Mara Gabrilli; e Vera Lúcia (PSTU) e sua vice, Raquel Tremembé – e uma chapa inteiramente negra – Leonardo Péricles (UP) e sua vice, Samara Martins. Seria esse um indício de que o Brasil avançou na representatividade feminina na política e no combate ao racismo? Questionada sobre o assunto, Carolina Botelho se mostra cética.
Ela destaca que é inédito uma chapa com duas mulheres, "mas que, mesmo assim, ainda está muito aquém das condições que os homens têm na política".
"Incentivam pouco a candidatura de mulheres, os partidos, propriamente, investem pouco na maioria das vezes. Então, não vejo como uma tendência, uma mudança muito radical. Mas, de fato, é algo que a gente precisa celebrar e precisaria de mais mulheres, mais incentivo."
Ela acrescenta que o mesmo ocorre com o caso do racismo, pois o fato de o país ter poucas candidaturas negras já reflete o racismo existente. "Eu gostaria de acreditar que teríamos condição e um cenário, uma conjuntura que permitisse mais negros na política, mas não é nossa realidade."
Signates aponta que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer "para o estabelecimento de uma representatividade feminina e negra que seja minimamente igualitária".
"Infelizmente, grande parte dos avanços decorrem do fato da legislação eleitoral brasileira prever cotas para as candidaturas, não para os cargos eletivos. As camadas vulneráveis tornam-se candidatas, mas os resultados eleitorais mantêm intacta a situação de desigualdade. Esse contexto tornou comum as providências partidárias hipócritas, como lançamentos de falsas candidaturas, de esposas de políticos, apenas para atender ao critério formal da lei."
Um ponto que permanece igual nestas eleições é a ascensão de figuras excêntricas. No caso atual, personificada na candidatura de Pablo Marçal (Pros). Ele se lançou ao pleito após ficar famoso por liderar uma subida malsucedida a um pico na Serra da Mantiqueira. Sua candidatura reflete uma tendência antiga que elegeu Tiririca, em 2010, e levou Cabo Daciolo a superar o número de votos da experiente Marina Silva em 2018.
Signates diz que essa tendência não é exclusiva do Brasil. Ele afirma que ela decorre de dois fatores: o desinteresse do eleitor, que não se sente representado por nenhum dos candidatos; e a dependência dos sistemas midiáticos para a formação da opinião pública.
"Esses fatores, combinados, podem fazer com que celebridades e subcelebridades obtenham um privilégio de visibilidade e de fala que pode lhes render votos com pouco ou nenhum compromisso público, tornando-os elegíveis, especialmente num primeiro mandato. No entanto, não é incomum que, depois do primeiro mandato, essas pessoas não consigam mais o mesmo desempenho, exatamente porque a lógica interna de administração da vida política não se ajusta por inteiro aos sentidos da mídia e, convertida em personalidade política profissional, a celebridade inexperiente passa a sofrer as pressões e os déficits de imagem que são próprios do ambiente especificamente político."
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Por fim, Carolina Botelho e Luiz Signates são questionados se ainda há possibilidade de ascender uma terceira via, com candidatura competitiva o bastante para fazer frente a Lula e Bolsonaro. Nesse quesito, Carolina Botelho é taxativa. Ela afirma que, embora fatos imponderáveis possam mudar, a eleição atual "já está decidida há muito tempo".
"É inédito para eleições presidenciais a gente ter uma convicção dos eleitores tão longe do pleito, agora perto ainda essa condição de aparecer uma outra via acaba ficando cada vez menor. E as pesquisas têm mostrado que os eleitores estão decididos, não agora, mas já há algum tempo. E bastante decididos. Então, o espaço para se encontrar uma terceira alternativa eu acho praticamente impossível."
Signates, por sua vez, ressalta que "desde que foi restaurada a normalidade democrática possível, no Brasil, depois do regime militar, o sistema eleitoral brasileiro de nível nacional jamais viabilizou a chamada 'terceira via'".
"À exceção da candidatura de Ciro Gomes, que disputa movimentada por um interesse autêntico do candidato em se tornar viável, todas as demais tendem a ser apenas movimentos de projeção de imagem pessoal dos candidatos, a fim de construírem viabilidade para futuras posições, ou projetos orientados para garantir chapas que se transformem em bancadas significativas no parlamento federal."
Signates finaliza acrescentando que "em política profissional, o xadrez é complexo, nem sempre uma candidatura é lançada para vencer a eleição; há ganhos adjacentes que às vezes justificam a inserção no pleito".
Fonte: Agência Sputnik
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