Israel bombardeia a imprensa: o genocídio da verdade em Gaza
- Da Redação
- há 3 dias
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7 de abril de 2025, Dia do Jornalista. Para "comemorar" a data, nesta última segunda-feira, Israel bombardeou um acampamento de jornalistas em Khan Younis, na Palestina ocupada. Matou dois - Ahmed Mansour e Hilmi Farkawi, do Palestine Today - e deixou outros seis feridos, incluindo correspondentes do Roussian Today (RT).
O jornalista Ahmed Aziz, que se encontrava na tenda alvejada junto com os colegas mortos e feridos em mais um ataque israelense direcionado contra correspondentes independentes, responsáveis por relatar o genocídio do povo palestino, deu um testemunho dramático dos acontecimentos daquela segunda-feira de terror ao portal de notícias Middle East Eye (leia abaixo).

O genocídio israelense em Gaza não atinge apenas o povo palestino, em especial suas mulheres e crianças indefesas, maioria entre as mais de 50 mil pessoas massacradas pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) desde outubro de 2023. Entre as vítimas preferenciais do terror israelense também está a verdade, combatida ferozmente em ataques sistemáticos e cirúrgicos contra jornalistas independentes, que arriscam diariamente as vidas no campo de extermínio criado por Benjamin Netanyahu e que Donald Trump quer transformar em seu novo empreendimento imobiliário às margens do Mediterrâneo, evidentemente após se livrarem dos palestino sobreviventes.
Segundo a ONG Reórteres semFronteira (RSF), mais de 200 jornalistas profissionais já foram assassinados pelas forças israelenses em Gaza desde outubro de 2023. O número supera a morte, somada, de jornalistas nas duas grandes guerras mundiais do século passado. O genocídio do povo palestino acontece junto com o genocídio da verdade, para o qual contribuem, além das bombas israelenses, a conivência e omissão da própria imprensa ocidental.

A imprensa despedaçada
O TODA PALAVRA reproduz, a seguir, o relato dramático, feito ao portal de notícias Middle East Eye pelo jornalista Ahmed Aziz, que se encontrava trabalhando junto aos colegas que foram mortos e feridos pelas forças israelenses no Dia dos Jornalistas.
"Estávamos nas tendas por volta da meia-noite quando uma bomba atingiu uma delas. Lá dentro estavam os jornalistas Hassan Islayeh e Ahmed Mansour; Mansour trabalhava no turno da noite como editor do Palestine Today.
A jornalista Hilmi al-Faqawi estava dormindo no momento. Faqawi trabalha com mídias sociais para o Palestine Today. Naquele momento, o telefone de Islayeh foi atingido por uma bomba.
Islayeh saiu, mas foi atingido por estilhaços no rosto, e os dedos da mão direita foram decepados. Ao mesmo tempo, estilhaços atingiram Faqawi no peito, no estômago e no rosto.
Dada a situação, tentamos apagar o intenso incêndio na barraca, que foi agravado pelo material inflamável de náilon e esponja.
Outro estilhaço atingiu a barraca à nossa frente, pertencente ao [portal de notícias] Russia Today (RT). Atingiu um cilindro de gás. Embora o cilindro estivesse vazio, o gás restante dentro dele criou uma atmosfera nebulosa.
Em meio à fumaça, tentamos acordar os colegas e ver como estavam. Nosso colega Ehab al-Bourdaineh foi atingido por estilhaços na nuca, que saíram pela lateral do olho direito. Ele trabalha como fotógrafo para a RT.
Yousef al-Khazindar, que costuma tirar sonecas onde os jornalistas ficam hospedados, também estava lá. Alguns outros jornalistas foram atingidos, incluindo Abdullah al-Attar, que recebeu estilhaços no baço e começou a sangrar muito. Mohammed Fayeq foi atingido na mão esquerda.
Fizemos de tudo o que podíamos para resgatar Mansour das chamas, mas as condições eram incontornáveis. Tentamos desesperadamente salvá-lo, mas não foi possível.
Situação crítica
O caos se instalou, em parte devido ao cansaço de cobrir o massacre de Naffar, em Khan Younis, onde nove pessoas foram martirizadas no início do dia.
Isso nos deixou confusos, com dificuldade para compreender o que estava acontecendo. Esquemos até mesmo de como prestar os primeiros socorros e não sabíamos o que fazer.
Começamos a levar os feridos para o Hospital Nasser a pé, pois ficava próximo.
Ao chegar ao Hospital Nasser, ficou claro que ele estavam em estado crítico.
Bourdaineh ainda está em tratamento intermediário e em estado grave.
Islayeh, um jornalista proeminente em Gaza, sofreu ferimentos graves. Sua mão direita foi cortada e ele tem ferimentos de estilhaços no crânio e na perna.
Mansour, que sofreu queimaduras, estava inicialmente internado no setor de tratamento de queimados, em estado crítico. Na terça-feira, ele não resistiu aos ferimentos.
Sonhos despedaçados
Na segunda-feira, realizamos o funeral de Faqawi, que trabalhou em mídias sociais para o Palestine Today.
Fazia apenas alguns dias que ele decidiu se juntar a mim para cobrir procissões fúnebres e conduzir entrevistas.
Ele estava muito orgulhoso de si mesmo por filmar um vídeo que se tornou viral no dia seguinte.
"Tenho menos experiência que você, mas vou me tornar mais famoso", ele se gabou para mim.
Ele me disse que queria "trabalhar, trabalhar e trabalhar" e sonhava em trabalhar para uma agência de notícias internacional.
Ele hospedou muitos de seus parentes deslocados em sua casa.
Durante os três primeiros meses da guerra, trabalhamos juntos por longas horas, às vezes passando 13 horas por dia no mesmo lugar, e enfrentando a fome juntos.
Ele era gentil, doce e sempre disposto a ajudar.
Ele era um homem bonito que sempre se cuidava. Sempre aparava a barba e se vestia com esmero.
Se tivesse sobrevivido, não teria conseguido conviver com a extensão das queimaduras. Foi de partir o coração vê-lo no hospital.
É difícil olhar para a bicicleta que ele costumava usar estacionada na barraca onde ele ficava.
Em sua memória
Estou exausto. Já faz mais de um ano e meio. Nunca imaginei que minha carreira no jornalismo seria assim.
Perdi muitos amigos e colegas, pessoas que conheço há mais de 10 anos.
Agora evito ficar em tendas de imprensa. Evito bater papo com jornalistas ao meu redor porque não suporto a ideia de perder outro amigo.
As pessoas não conseguem imaginar o que estamos passando, bombardeios e perdas diárias.
Não sou de aço. Estou internamente despedaçado.
Trabalho todos os dias só para não ficar em casa, porque isso me destruiria.
Prefiro ser martirizado em campo.
Embora ferido, não posso parar de trabalhar. Pelos meus colegas e pela memória deles."
Assista, abaixo, o vídeo do momento do bombardeio do acampamentos dos jornalistas no dia 7 de abril (obs: cenas dramáticas):
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