O golpe contra Lula já começou. E não vem do bolsonarismo
Eduardo Vasco
O “ajuste fiscal” feito pelo governo no final do ano foi a gota d’água para a burguesia. Nas semanas anteriores, o chamado “mercado” – o capital financeiro, isto é, a burguesia e o imperialismo – fez um terrorismo na imprensa, na bolsa e no câmbio, forçando o governo a aplicar o “ajuste”. Ele veio, afetou, como de costume, o povo pobre, a classe operária. Mas foi, apesar disso, um banho de água fria para os banqueiros. Nem de longe era o que eles esperavam. Assim como o “ajuste fiscal” de Dilma.
A burguesia percebeu que já não havia a menor chance de fazer Lula aplicar a política que ela necessita. Se, desde o princípio, ela não colaborava com o governo – apesar deste insistir em uma colaboração –, depois disso ela iniciou uma campanha para desestabilizá-lo. A popularidade de Lula caiu de 35% em dezembro para 24% em fevereiro, pelo Datafolha. A causa teria sido o aumento dos alimentos e do combustível e a crise do Pix. A causa real é mais profunda.
Os trabalhadores e o povo elegeram Lula e tinham – a maioria ainda tem – grande expectativa para que seu governo realmente derrotasse o golpe de 2016. A eleição por si só não derrotou golpe nenhum. O governo também não. As reformas neoliberais de Temer e Bolsonaro ainda não foram revertidas. Elas anulam a eficiência de qualquer medida que o governo possa tomar, pois as medidas atuais não passam de um remendo do desmonte produzido.
Além de visar apenas remendar a destruição, Lula ainda adota uma política dúbia, na tentativa de se equilibrar entre as necessidades do povo e as exigências da burguesia. Só que esse equilíbrio é extremamente delicado, como se vê. E, na situação de prevalência da estrutura neoliberal iniciada entre os anos 80 e 90 e aprofundada a partir de 2016, é um prejuízo para o povo. Um prejuízo para o próprio PT – pesquisa recente mostrou o óbvio: a devastação neoliberal que conduziu à desorganização do movimento sindical prejudicou também os votos da esquerda nas eleições.
A burguesia, contudo, precisa de mais. Ela não depôs Dilma para que Lula voltasse e aplicasse a mesma política de Dilma. Se é assim, então ela vai depor Lula como depôs Dilma. Ou, se for preciso esperar até 2026, roubar a eleição na mão grande.
Quando saiu a pesquisa Datafolha, a bolsa subiu e o dólar caiu. “A reprovação do governo foi recorde. Então, isso trouxe um otimismo maior para o mercado”, disse ao Estadão um funcionário dos banqueiros, que reconheceu abertamente que, entre os especuladores, “veio uma onda de otimismo com essa possibilidade maior de eventualmente ele não ser reeleito nas próximas eleições”. “Ele não costuma apoiar medidas que possam trazer corte de gastos nem uma maior previsibilidade em relação ao equilíbrio das contas públicas. O otimismo vem com a expectativa de uma mudança de governo no ano que vem”, afirmou outro.
Os grandes capitalistas estão incomodados com os baixos níveis de desemprego. Querem políticas que elevem a competição entre os trabalhadores, jogando milhões de volta ao exército de reserva para rebaixarem o salário. No final do ano passado, após o banho de água fria do “pacotinho” de gastos, como batizou a imprensa à época, uma pesquisa mostrou que 90% do “mercado” já estava contra o governo. Enquanto isso, o baixo desemprego mascara a sua falta de qualidade: informalidade reinante, com praticamente nenhum direito trabalhista. A “uberização” e a “ifoodização” são a etapa mais degradante da pejotização fruto da pulverização da CLT.
As repercussões distorcidas nos jornais sobre as falas de Lula, as pesquisas de opinião dos institutos do próprio “mercado” e as declarações abertas dos dirigentes do centrão de que preferem apoiar até mesmo Bolsonaro do que Lula em 2026 são indicativos suficientes: o golpe já começou. Ele não está, claro, absolutamente modelado, pois ainda toma forma. Mas já começou. E seu objetivo é substituir Lula por alguém que aplique o mais severo dos “ajustes fiscais”, à semelhança de Milei na Argentina (tão elogiado pelos banqueiros e a imprensa brasileira). Se não for possível um Tarcísio de Freitas ou alguém do centrão, irão perdoar Bolsonaro e colocá-lo novamente na presidência.
Não é possível que se seja tão ingênuo ao ponto de acreditar que a exploração de petróleo na Margem Equatorial – que será feita, se depender de Lula – seja tolerável para essa gente. O PIG já se opõe. E aí o governo mexe com interesses de gente mais poderosa do que a ridícula burguesia brasileira. Quantos governos o imperialismo americano já derrubou porque ameaçavam tomar conta do petróleo de forma independente?
Ora, Donald Trump pode não ser predador do petróleo russo, mas é óbvio para todo o mundo que sua política é a de fortalecimento do controle americano deste hemisfério. Como alguns dizem, é a retomada da Doutrina Monroe (ou melhor, um reforço). E nisso os banqueiros e o deep state americanos não têm divergências com Trump. Se os trumpistas usam seus fantoches bolsonaristas para desestabilizar o governo brasileiro, o imperialismo em si usa a bolsa, o câmbio, os preços, a imprensa tradicional, as principais ONGs e as instituições e políticos do centrão. Também há, como no golpe contra Dilma, um resíduo esquerdista para influenciar parcela da pequena burguesia pseudorradical.
Mas o maior perigo reside nas próprias organizações de massas da base lulista: elas estão paralisadas. Se não se movimentarem, verão uma reprise de 2016. Será preciso se mover desde já, e depressa, pelas reivindicações dos trabalhadores. Será preciso realizar um enfrentamento político contra a burguesia e o imperialismo, no interesse da massa que elegeu Lula e que sofre com a inviável política de equilibrista e a guerra aberta pelo “mercado”.
Eduardo Vasco é jornalista e colaborador do TODA PALAVRA. Foi correspondente de guerra na Ucrânia, cobrindo o conflito do lado russo.
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