O que é bom para os EUA também é bom para Elon Musk, e vice-versa
Eduardo Vasco
Está ocorrendo nos Estados Unidos “uma perigosa concentração de poder nas mãos de poucas pessoas super-ricas”, ou seja, de uma “oligarquia”. Foi assim que o presidente Joe Biden se dirigiu aos cidadãos americanos em seu discurso de despedida da Casa Branca, transmitido em rede nacional. Referindo-se indiretamente aos bilionários ligados a Donald Trump, ele declarou que sua “extrema riqueza, poder e influência” são ameaças “literais” à democracia.
Como todas as desgraças que vêm ocorrendo nos EUA e no mundo são atribuídas exclusivamente à extrema-direita, encobre-se, no entanto, que essa concentração de poder e riqueza vem de longe e não é nenhuma novidade. A conclusão da revolução burguesa com a unificação do país após a guerra civil significou a transição do poder da burguesia agrária, ligada ao Partido Democrata, para a industrial, representada pelo Partido Republicano. Já naquela época formavam-se os grandes monopólios capitalistas que controlariam a política dos Estados Unidos até hoje.
“Os Rockefellers no petróleo, os Carnegies e Fricks no aço, os Morgans nos bancos, ou os Harrimans e Hills nas ferrovias – foram esses os homens que tiveram voz influente no Partido Republicano, e também no Partido Democrata, de 1865 a 1901”, escreveu o historiador Arthur S. Link. “Financiavam campanhas políticas e recebiam recompensas do governo na forma de concessões de serviços públicos, terras, isenção de impostos ou proteções tarifárias.”
Após a Segunda Guerra Mundial – cuja entrada dos EUA foi uma necessidade desses monopólios –, a concentração do poder político pelos monopólios se consolidou. Quando subiu ao poder, em 1953, Dwight Eisenhower preencheu seu ministério com os representantes das grandes companhias: Charles Wilson, da General Motors, para o Pentágono; George Humphrey, da M.A. Hanna Steel Company, para o Tesouro; Sinclair Weeks, um industrial, para o Comércio; Arthur Summerfield, da indústria automobilística, para os Correios e Telégrafos; Ezra Taft Benson, dos mercados agrícolas, para a Agricultura e o rico advogado de grandes empresas, John Foster Dulles, para o Departamento de Estado. Somados a Douglas McKay, do Interior, e Herbert Brownell, da Justiça, eles configuravam um gabinete que foi descrito pela revista New Republic como o de “oito milionários e um bombeiro”. O bombeiro era o secretário do Trabalho, Martin Durkin, líder sindical da Associação dos Bombeiros e Encanadores. Poucos meses depois, Durkin seria substituído pelo grande empresário lojista James Mitchell, e seria criado o Departamento da Saúde, Educação e Bem-Estar Social sob a responsabilidade de Oveta Culp Hobby, esposa do empresário das comunicações William P. Hobby.
Talvez um dos governos mais famosos por sua relação com a “oligarquia”, como disse Biden, tenha sido o de George W. Bush. Ele mesmo sendo um empresário do ramo petrolífero (além de seus contatos com outras áreas, como a de armamentos), teve como vice-presidente Dick Cheney (empresário do petróleo), cuja esposa trabalhava na diretoria da gigante de armas Lockheed. Donald Rumsfeld, que foi seu secretário de Defesa (e também de Gerald Ford), teve negócios nas indústrias farmacêutica e eletrônica e a secretária de Estado Condoleezza Rice foi conselheira da Chevron. Não surpreende que muitas das empresas ligadas diretamente ao governo Bush Jr. figurassem entre as grandes beneficiadas da invasão do Iraque.
O grande empresário do governo Trump
Donald Trump volta ao governo dos Estados Unidos mantendo essa tradição. Magnata com negócios em vários ramos (da especulação imobiliária ao entretenimento), indicou grandes empresários para postos-chave (Scott Bessent para o Tesouro; Linda McMahon para a Educação; Howard Lutnick para o Comércio; Chris Wright para a Energia; Doug Burgum para o Interior; Susi Willes para chefiar a Casa Branca e Steven Witkoff para o Oriente Médio). Mas o grande nome não ocupará um posto oficial: Elon Musk será encarregado do Departamento de Eficiência Governamental, para reduzir os gastos públicos em um terço.
Homem mais rico do mundo e maior doador da campanha de Trump (220 milhões de dólares), Musk se tornou tão próximo do novo presidente que já virou alvo dos ideólogos mais radicais do MAGA, como Steve Bannon, que o acusou de trair o trumpismo ao defender a possibilidade do aumento da imigração de trabalhadores qualificados para que trabalhem em suas empresas, recebendo salários mais baixos e ocupando as vagas dos trabalhadores americanos. O bilionário da tecnologia também desagradou os setores tradicionais do complexo militar-industrial quando propôs ao governo a substituição dos contratos de armamentos da Lockheed pelos drones desenvolvidos no Vale do Silício.
Efetivamente, não será a partir do segundo mandato de Trump que Musk terá contratos com o governo dos EUA. Desde Joe Biden a SpaceX vem construindo uma rede de satélites espiões para as agências de inteligência e o Pentágono. Fora dos Estados Unidos, Musk começou a investir na extração de lítio argentino para abastecer a Tesla. Desde então, também se tornou amigo de Javier Milei e apoiou sua eleição, aparentemente em troca das concessões do lítio argentino. Em um programa de TV após ser eleito, Milei revelou que Musk estava “extremamente interessado no lítio” argentino, assegurando que mudaria a legislação do país para garantir “um marco jurídico que respeite os direitos de propriedade” do empresário e de outras companhias americanas. Pouco depois, Milei também anunciou a “desregulação dos serviços de internet por satélite para permitir a entrada de empresas como a Starlink”.
Esse certamente é um dos motivos da aproximação de Trump com Milei. Alguns anos atrás, Musk também revelou que havia apoiado o golpe de 2019 na Bolívia, que tem as maiores reservas mundiais de lítio. “Vamos dar golpe em quem quisermos”, publicou à época. Esse histórico, somado às tensões recentes com o presidente Lula e o STF brasileiro, ligam o sinal de alerta para a possibilidade iminente de o Brasil ser um dos próximos na fila dos golpes mencionados por Musk. Os bolsonaristas, seus fãs, estão loucos para voltar ao governo e substituir as montadoras chinesas que chegaram recentemente ao país pela Tesla, bem como garantir que a chinesa SpaceSail, que assinou contratos com a Telebrás, seja rifada da concorrência com a Starlink.
A julgar pelas declarações frequentes que extrapolam em muito a área do corte de gastos, para a qual Musk foi designado por Trump, o dono do X tanto influencia como também expressa a opinião do próprio presidente e de setores de seu novo governo. Até países ricos, como Canadá, Alemanha e Reino Unido, têm sido alvo da cobiça de Musk, que apoia a anexação do primeiro e a ascensão da extrema-direita ao governo dos outros dois. Todos esses casos, tanto nas Américas quanto na Europa, escancaram uma política intervencionista agressiva – uma tendência de parte do novo governo Trump, dividido entre isolacionistas e “internacionalistas” conservadores. É lógico que essa agressividade não é motivada por nenhuma ideologia, mas sim pela necessidade de lucros de Musk e dos outros empresários do governo Trump.
Charles Wilson, grande acionista da General Motors nomeado secretário da Defesa de Eisenhower, declarou em sua sabatina no Senado, em 1953: “o que é bom para o país também é bom para a General Motors e vice-versa.” Nesse sentido, nada mudou nos últimos 70 anos. Apenas que a GM deu lugar à Tesla.
Eduardo Vasco é jornalista e colaborador do TODA PALAVRA. Foi correspondente de guerra na Ucrânia, cobrindo o conflito do lado russo.