Qual o propósito da vida?
Railane Borges
Agraciados pela consciência inerente apenas à nossa espécie, temos por costume a necessidade de buscar significado e explicação para a vida e os fenômenos que nos cercam.
À reboque desta característica marcante nos seres humanos, está esse que é um dos questionamentos mais desafiadores da existência. Se fosse perguntada extensamente ao redor do mundo, seria possível recolher uma grande diversidade de respostas. Para Aristóteles, por exemplo, o propósito da vida estava na busca pela felicidade através das nossas potências, utilizando a virtude de cada um.
Todas as pessoas estão sempre à procura de algo. Nem sempre sabemos o que procuramos. Mas em todas as vezes, alguma coisa se encontra.
Foi a busca pela sobrevivência que primeiro nos agrupou. Entendemos às custas de muitas vidas que juntos conseguiríamos ir além. Construir mais coisas, coletar mais comida, ocupar mais territórios. A vida em comunidade pareceu em princípio uma utopia insuperável, sem as regras que consolidamos ao longo de mIlênios de tentativas e erros. Cada lugar foi se desenvolvendo a partir de seus costumes, suas atividades econômicas, os interesses de seu povo. Munidos de um desejo intenso de superar nossa natureza frágil, condição de pequenos saquinhos de órgãos caminhantes e vulneráveis às pestes, ao frio, ao calor, à fome, fomos consolidando ferramentas que facilitassem os serviços, que nos permitissem explorar a riqueza bruta e natural do mundo, melhorando consideravelmente a nossa experiência.
Com as trocas entre nações crescendo a níveis astronômicos, foi necessário acompanhar esse processo. Quando atingimos a primeira transição entre o velho mundo e um novo tipo de realidade, durante a primeira revolução industrial, não éramos capazes de imaginar o que viria pela frente. Ou como isso mudaria a vida das pessoas para todo o sempre. A indústria têxtil não foi a única coisa que dominou as atenções no século. A explosão demográfica também.
Aparentemente, a nossa busca por propósito e respostas é ao mesmo tempo nossa maior glória e o nosso maior fardo. O “boom” na economia construiu um modelo de funcionamento que rapidamente nos fez escravos da produção. De repente, o propósito se transformou no lucro financeiro. E de uma hora para a outra, paramos de busca-lo. Submeter a economia ao corpo político do Estado, ajudou a definir a pirâmide social e a dividi-la em classes específicas. A novidade e a facilidade para o consumo absorveram as pessoas neste novo modo de vida. E assim permaneceríamos por séculos. O poder político ficou encarregado de manter o Status Quo através de mecanismos de controle de massa.
Quando Freud se tornou obsessivo em compreender melhor o funcionamento da psique humana, no início do século XX, ele jamais poderia imaginar para que suas descobertas seriam usadas. O pai da psicanálise gostaria que as pessoas fossem conscientes sobre o inconsciente, que revisitassem seus traumas e desejos para o tratamento das doenças da mente.
Isso não impediu que seu sobrinho, Bernays, poucos anos depois, usasse suas descobertas e estudos para manipular emocionalmente as pessoas a consumirem determinado produto ou político de interesse, aceitando uma nova modalidade de propaganda subjetiva, que rebatizaram de: “Relações Públicas”.
De posse desse conhecimento, Bernays, em uma de suas manobras mais marcantes enquanto profissional, conseguiu levar uma multidão de mulheres às ruas empunhando cigarros como se compusessem uma frente pela liberdade, crendo estar servindo à causa feminista, quando na verdade faziam propaganda gratuita para um produto nocivo para a saúde. Bernays não era um agente social. Era um funcionário da Companhia Nacional do Tabaco.
Foi seguindo a percepção de que a massa era manobrável através dos seus sentimentos, que Hitler contratou um Ministro da Propaganda como Goebbels. Nessa época, os nazistas entenderam a importância do cinema, da literatura e da propaganda em si para a massificação do modelo social pretendido. Fosse através do medo, dos discursos pró-família, do controle das mídias e de conteúdo, a indústria cultural nazista focou em construir esses valores para que a hegemonia Alemã sustentasse uma guerra atroz.
Da mesma forma que Freud, eu tenho certeza que o mais trágico episódio da crueldade humana e suas invenções não foi calculado desta forma por Oppenheimer, pai da bomba atômica.
Apesar de sermos a maioria meros espectadores do progresso e do desenvolvimento científico, a revolução tecnológica já nos mostrou, como todas as outras, a que veio. Estamos no ano de 2025 do século XXI e ainda não fomos capazes de nos desviar desses truques do mercado.
O facebook nasceu como uma grande rede social interessada em aproximar pessoas. Já pensou? Você ter todos os seus contatos a um clique de distância, mesmo que estejam em qualquer parte do mundo? Eu entendo. Eu também me apaixonei pela ferramenta. Até que ela passou a nos monitorar sem o nosso conhecimento. A empilhar nossos dados e a vende-los para lucrar em cima dos nossos afetos. Do nosso perfil. Das nossas opiniões.
Como em Bernays, nos tornar máquinas de propaganda em série não foi suficiente.
Eles podiam usar o algoritmo para eleger presidentes.
Independente da verificação de autenticidade no conteúdo que reproduziriam, analisando o perfil eleitoral do usuário, ele foi aos poucos reforçando medos, fortalecendo movimentos extremistas e rachando as relações interpessoais.
O fenômeno, percebido em diversas nações foi provado na justiça e o facebook respondeu judicialmente. Na época, a venda de dados dos usuários e a propaganda massiva, foram considerados um comportamento antiético em seu negócio e chegou a parecer que o Mark Zuckerberg estava arrependido, ou envergonhado.
Ele não sabia quais seriam os resultados daquilo, certo? Teria sido um terrível desdobramento de sua tentativa de melhorar seu sistema.
Ao menos era o que achávamos até que outro bilionário do meio da comunicação, Elon Musk, da rede “X”, começou a deixar claro que tinha uma agenda a cumprir e que Justiça e Democracia não poderiam fazer parte dela. Foi quando ele modificou a moderação do conteúdo nas redes e passou a aceitar notas de usuários, abrindo pressuposto para que absolutamente qualquer conteúdo pudesse circular livremente em sua rede. Mesmo que o conteúdo seja considerado ilegal pelo conjunto de leis na região onde o programa opera.
Essa semana, um anúncio de que o grupo META, responsável pelas outras grandes redes sociais que constituem o monopólio da comunicação atualmente, enquanto vende um lugar para nos expressarmos e trocarmos sentimentos e expertises entre nosso amigos, familiares e seguidores, também aboliriam a moderação de conteúdo, o que nos trouxe mais uma vez a certeza do papel que estamos desempenhando nas redes.
Estamos à mercê e à disposição de um projeto de mundo que tem sido cuidadosamente sugerido para nós. Continuamos achando que fumaça é liberdade, continuamos financiando guerras e adotando discursos separatistas. Continuamos massas de manobra, ostentadores de vida fitness e de vitórias econômicas como objetivo de vida. Precisamos encontrar um caminho de volta à nossa busca natural. As perguntas que nos consolidaram como uma espécie superior, consciente.
Qual é, afinal, o nosso propósito? Que possamos seguir na busca. Do lado de fora, olho no olho, pés fincados no chão.
Railane Borges é atriz e cineasta
Eu ainda sou um otimista . Um grupamento animal independente de seus indivíduos isoladamente dificilmente caminha consciente para sua destruição ou para prejudicar o conjunto de indivíduos. O único capaz de fazer eh o humano. E não creio que vá para este caminho. Mas infelizmente pode sim tal os absurdos que assistimos ultimamente.