top of page
banner felicidade é viver aqui niteroi canal 728x90 29 11 24 .jpg

Sobre o destino do ensino médio: a raposa no galinheiro

Por Waldeck Carneiro*


O chamado Novo Ensino Médio (NEM), outorgado pela Medida Provisória 746/16, editada pelo governo autoritário de Michel Temer, oriundo de um golpe de Estado, e posteriormente convertida na Lei 13.415/17, vem causando enorme retrocesso na formação dos jovens, nesta que é a última etapa da educação básica no Brasil. Nesse processo, desencadeado a toque de caixa, sem ouvir a comunidade educacional brasileira, confluíram dois grandes interesses: aqueles vinculados ao grande capital na educação e aqueles que decorrem da visão excludente das elites nacionais, que reagiram mal à obrigatoriedade de escolarização na faixa etária dos 15 aos 17 anos (EC 59/2009). Como afirmou Lisete Arelaro, o NEM é um esforço de “restauração conservadora” das classes dominantes, que não desejam a universalização do acesso aos conhecimentos científicos, humanísticos e culturais como princípio curricular no ensino médio.

O balanço da implantação do NEM nas escolas brasileiras é a crônica de um problema anunciado. As escolas particulares de ensino médio que atendem as elites e as camadas médias têm ignorado a nova organização curricular e seguem desenvolvendo seus currículos completos, de modo a garantir a seus estudantes o acesso à complexidade e à diversidade dos saberes, bem como a melhor prepará-los para o ENEM, a fim de que ingressem nas principais instituições de ensino superior, notadamente nas públicas.

Nas escolas públicas que oferecem ensino médio, predominantemente vinculadas às redes estaduais de educação, que concentram cerca de 90% das matrículas nesta etapa de escolaridade, prevalecem a improvisação e a banalização curricular, além da precarização da infraestrutura. Nesse sentido, os jovens de origem popular, quando conseguem chegar ao ensino médio nas escolas estaduais, se deparam com drástico empobrecimento de sua formação: não estudam ou estudam muito pouco várias áreas do conhecimento; ocupam seu tempo de formação aprendendo banalidades (receitas de brigadeiro); são submetidos a formações profissionais improvisadas; tornam-se alunos de instrutores tidos como detentores de “notório saber”, sem formação em cursos de licenciatura; e ainda podem ter ampla fatia dessa formação, já aligeirada, por meio da EAD, a despeito da fragilidade da infraestrutura tecnológica das escolas e da exclusão digital de boa parte dos estudantes pobres, como aliás revelou o período crítico da pandemia do novo coronavírus.

Ao longo dos governos Temer e Bolsonaro, aumentou muito a organização e o clamor da sociedade (profissionais da educação, movimento estudantil e outros movimentos sociais, comunidade científica, segmentos do parlamento brasileiro) pela revogação do NEM, posição que sempre endossei, ou, pelo menos, pela supressão de suas medidas mais nocivas ao enfrentamento das desigualdades educacionais no ensino médio.

Assim, acendeu-se uma chama de esperança, quando o governo Lula III enviou ao Congresso Nacional uma mensagem (PL 5.230/23) para reformular aspectos deletérios da Lei 13.415/17, buscando assegurar 2.400 horas de formação geral básica, garantir conteúdos obrigatórios para além do português e da matemática e suprimir o notório saber como pretexto para a improvisação docente, entre as mais importantes propostas de mudança. Embora tenha sido uma iniciativa ainda tímida, foi, sem dúvida, uma vitória do movimento social, parcialmente ouvido pelo governo federal.

Contudo, a tramitação do PL 5.230/23 virou uma tragédia na Câmara dos Deputados. O governo, que tinha pedido tramitação de urgência para a matéria, foi fustigado com a designação do deputado Mendonça Filho (União Brasil/PE) como relator, simplesmente o ministro da educação que, no governo Temer, implantou o NEM. Ou seja, é a materialização da metáfora da raposa que toma conta do galinheiro! O relator, é claro, ignorou a sociedade civil organizada e preparou seu substitutivo em diálogo com as fundações privadas que invadiram o MEC e com o órgão que congrega secretários estaduais de educação, de viés amplamente conservador. Corolário: o substitutivo de Mendonça Filho praticamente nada muda em relação ao NEM, ao contrário, torna sem efeito quase todas as propostas de mudança feitas pelo governo e transforma o PL 5.230/23 em nova edição da MP 746/16!

Para piorar, o governo, que vem sofrendo muitas derrotas no Congresso Nacional, pediu a retirada da urgência da matéria, mas o Novo (que de novo não tem nada...) e o União Brasil reapresentaram o pedido e venceram em plenário, com apoio da própria liderança e da base do governo! Nesse ínterim, o MEC segue em constrangedor silêncio de catedral, dando a impressão de que o governo tolera – ou pior, concorda – com o reacionário substitutivo do relator, que está em sintonia com os interesses do capital e com a perspectiva excludente das elites nacionais.

A democratização do acesso aos saberes científicos, humanísticos e culturais no ensino médio é inegociável, assim como a sua realização em caráter integralmente presencial. Mais ainda, a presença de professores qualificados e valorizados é indispensável, bem como a formação profissional, quando oferecida, deve ser integrada à formação geral, como revelam os exemplos de sucesso na própria rede pública federal.

É estarrecedor que ainda seja tão difícil, em pleno século XXI, garantir o direito ao conhecimento para a juventude brasileira, em especial para os setores populares. É preciso parar de “pisotear”, na expressão de Monica Ribeiro, o ensino médio no Brasil!


*Professor titular da UFF

Posts Relacionados

Ver tudo

Comments


banner felicidade é viver aqui niteroi canal 300x250 5 12 24.jpg
Chamada Sons da Rússia5.jpg
Divulgação venda livro darcy.png
bottom of page