Trabalho escravo: IAB repudia ataque de Bolsonaro ao MPT
O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) divulgou nesta quarta-feira (8) nota de apoio à atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) contra o trabalho análogo à escravidão e de repúdio ao pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, que criticou as multas aplicadas pelo MPT.
De acordo com o documento, assinado pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez, as multas visam a reprimir “práticas trabalhistas mundialmente repudiáveis e desumanas”.
Para o IAB, a atuação do MPT é “imprescindível à garantia a dignidade dos trabalhadores e do valor social do trabalho”.
Ainda conforme a nota, “relatos de maus tratos, a privação de liberdade e as condições indignas de trabalho são práticas que não podem ser minimizadas ou relativizadas, sob pena da negativa do processo civilizatório e do retorno à barbárie”.
O IAB afirma também que “a tentativa de desqualificação da atuação do Ministério Público não se diferencia de outras tentativas de desmantelamento da rede de proteção de direitos sociais fundamentais, que atua por meio dos tradicionais sistemas de fiscalização e monitoramento de práticas lesivas e até mesmo criminosas”.
Na terça-feira, Bolsonaro criticou o combate ao trabalho escravo pelo MPT ao afirmar que as normas que buscam evitar acidentes de trabalho atrapalham a vida dos "empresários".
“Olha as normas regulamentadoras, como era difícil ser um grande empresário, empregador, com aquelas NRs. O Marinho (Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional) fez um limpa naquilo. A altura da pia, maciez do papel higiênico, tudo isso era motivo de multa. Ele (Marinho) acabou com milhares de itens que atrapalhavam a vida de vocês”, afirmou Bolsonaro a uma plateia de empresários e integrantes do governo em um evento patrocinado pela Confederação Nacional da Indústria.
Na sequência, sem dar detalhes, Bolsonaro atacou uma operação do MPT no Ceará. Segundo Bolsonaro, ele recebeu um telefonema no Planalto do fazendeiro multado por expor trabalhadores ao trabalho escravo.
De acordo com Bolsonaro, os trabalhadores dessa fazenda não tinham dormitório, banheiro ou local adequado para comer. Mas, mesmo assim, criticou a atuação do MPT.
“Há pouco, um telefonema do interior do Ceará. Um cabra que ligou para alguém da Presidência, passou o telefone para mim: ‘Acabei de ser multado aqui, eu estava com meu pessoal colhendo folha de carnaúba. Chegou o MP do Trabalho e largou meia dúzia de multas em cima de mim”, relatou Bolsonaro. E ainda relembrou o diálogo com o fazendeiro infrator: “Multou por quê? Porque não tenho banheiro químico. Eu estou a 45 graus e obviamente não tenho banheiro químico. O cara vai deixar de colher a folha ali, andar 500 metros, fazer um xixi e voltar? Meteram a caneta no cara. Também uma mesinha feita de forma rústica, com madeira da região, para servir o almoço. Não estava adequada aquela mesa. Também a questão do dormitório, o pessoal dormia em uma barraca. Multa em cima dele.”
Leia a nota da IAB na íntegra:
Nota de apoio ao combate do Ministério Público ao trabalho análogo à escravidão
O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), em estrita observância aos primados constitucionais e às convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil, rejeita veementemente o pronunciamento do presidente da República, que criticou a ação do Ministério Público do Trabalho frente ao trabalho exercido em condições análogas à escravidão.
No cumprimento das suas funções institucionais, o MPT tem atuado de forma exemplar na fiscalização e autuação de empregadores que se valem de práticas trabalhistas mundialmente repudiáveis e desumanas, com o objetivo de reprimi-las.
Os relatos de maus tratos, a privação de liberdade e as condições indignas de trabalho são práticas que não podem ser minimizadas ou relativizadas, sob pena da negativa do processo civilizatório e do retorno à barbárie. É atuação imprescindível à garantia da dignidade dos trabalhadores e do valor social do trabalho.
A tentativa de desqualificação da atuação do Ministério Público não se diferencia de outras tentativas de desmantelamento da rede de proteção de direitos sociais fundamentais, que atua por meio dos tradicionais sistemas de fiscalização e monitoramento de práticas lesivas e até mesmo criminosas.
A manifestação de desapreço do presidente da República revela-se abonadora de condutas que atentam contra a dignidade humana e vão de encontro à agenda da OIT sobre o “trabalho decente”, colocando o País, mais uma vez, abaixo dos padrões mínimos civilizatórios.
O Brasil, em passado recente, obteve o reconhecimento da OIT e de outras entidades internacionais como referência no combate ao trabalho escravo contemporâneo. Nos 33 anos da Constituição Federal e 133 anos da abolição da escravatura, inúmeros empregados, adultos e crianças, foram resgatados de ambientes clandestinos graças a uma atuação planejada do MPT, por meio de programas relevantes de defesa do estado social e democrático de direito, entre eles, o de erradicação do trabalho infantil.
O governo federal, ao distorcer ou questionar tais programas, demonstra não só o seu total descaso, mas o abominável desprezo à liberdade e ausência de comprometimento com os valores republicanos.
O IAB continuará mantendo firme atuação contra os retrocessos sociais, manifestando indignação e repudiando qualquer forma de exploração forçada de trabalho, incluindo a flexibilização, redução ou limitação do combate travado pelo MPT ao trabalho análogo à escravidão.
Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 2021.
Rita Cortez
Presidente nacional do IAB
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