'Tudo é proposital': por que o dólar e os juros subiram tanto?
Da Sputnik Brasil*
Por Fabian Falconi
O brasileiros viram nos últimos dias uma alta inédita do dólar e um novo aumento nos juros. O motivo seria uma preocupação com o "descontrole fiscal" do governo. À Sputnik Brasil, em uníssono, economistas rebatem essa visão das contas públicas e afirmam que, pelo contrário, o momento econômico do Brasil é muito bom.
Após o anúncio do pacote de corte de gastos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no final de novembro, o mercado financeiro entrou em ebulição por averiguar a medida como insuficiente para balancear as contas públicas.
Com isso, os especuladores começaram a retirar seu dinheiro do Brasil, necessitando para isso trocar o real pelo dólar e fazendo disparar o preço do câmbio da moeda norte-americana.
Poucos dias depois, em meados de dezembro, foi a vez do Banco Central de anunciar uma medida que abalou o noticiário econômico: o aumento da taxa básica de juros, a Selic, para 12,25%. Em sua ata da reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC destacou a necessidade de "desacelerar" a economia para manter a inflação dentro da meta.
Desde então, esses dois movimentos vêm abastecendo uma visão pessimista da economia brasileira, tanto na mídia, quanto nos próprios indicadores que se retroalimentam em si mesmos. Para o economista Pedro Faria, no entanto, o cenário macroeconômico é muito bom.
"O governo está com o desemprego em uma mínima histórica, pobreza e extrema pobreza em mínima histórica. Nós temos uma inflação baixa para padrões brasileiros dentro dos últimos 20 anos do sistema de metas. É uma inflação sob controle para todos os efeitos, ainda que esteja em trajetória ascendente."
De fato, as próprias previsões do mercado financeiro, transmitidas ao BC e divulgadas pelo Boletim Focus, apontavam uma expectativa muito pior para o ano do que aquela que se concretizou.
O PIB, por exemplo, era previsto em janeiro para crescer 1,6%, mas em dezembro o Focus sinalizou um aumento de 3,42%. O déficit público, por sua vez, era esperado alcançar a marca de 0,8% do PIB, mas fecha o ano próximo de 0,5%, ainda maior do que a meta de 0% do governo, mas abaixo do esperado pelo mercado.
Ou seja, não só o mercado abriu o ano com uma perspectiva pessimista, como errou "substancialmente", afirma à Sputnik Brasil o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT), Antônio Carlos Diegues.
"O que é mais um elemento para ir contra a visão de um suposto desarranjo total na política econômica e o tom alarmista."
Diegues explica que embora a inflação tenha subido há motivos conjunturais para isso, como os gastos governamentais em resposta ao desastre humanitário no Rio Grande do Sul, a alta global do dólar e o aumento da renda dos trabalhadores.
O aumento do salário mínimo e a queda do desemprego elevam a renda dos cidadãos e, isso, na outra ponta, acaba elevando também os preços, sendo interpretado como inflação. "Mesmo assim, a inflação está muito próxima do teto da meta e não há sinais de descontrole."
Para o professor da Unicamp, o alarde causado pelo mercado financeiro, mesmo em um cenário que supera as suas próprias expectativas, se deve a uma indisposição que o especuladores têm com governos do Partido dos Trabalhadores (PT), que nas suas visões possuem uma tendência em aumentar os gastos sociais.
Por outro lado, em governos ideologicamente alinhados, como o de Jair Bolsonaro (PL) e Paulo Guedes (ex-presidente e ex-ministro da Economia), quando os gastos governamentais aumentaram, o mercado mostrou uma tolerância.
"Isso faz com que a reação seja desproporcional e os fundamentos econômicos importem menos na análise", disse.
Já para Faria, essa "má vontade" descrita por Diegues é reflexo de uma disputa ideológica entre dois setores da sociedade que lutam para definir a função do Estado. De um lado, um prevê a implementação dos direitos sociais previstos na Constituição de 1988, como saúde e educação universais. O outro defende uma intervenção mínima do Estado na economia, cortando gastos.
"Um lado quer que se corte direitos previstos na Constituição, e o outro diz que o Orçamento deve servir a Constituição e deveríamos tributar o suficiente para financiar esses direitos."
A quem interessam os juros altos?
Para piorar a situação do déficit governamental, o aumento na taxa de juros pelo BC aumenta os gastos. A cada 1% de aumento nos juros, a dívida brasileira aumenta em cerca de R$ 50 bilhões, comprometendo o orçamento público.
O aumento da taxa Selic foi criticado pelo presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Ricardo Alban, que condenou a medida por reduzir o consumo e os investimentos.
Ou seja, se aumentar os juros piora a situação do governo e da indústria, para quem é bom?
Segundo Faria, os juros altos interessam a quem empresta dinheiro, isto é, o sistema financeiro como um todo, como bancos, investidores e até mesmo grandes varejistas que hoje, apesar de atuarem no comércio, mantêm posições financeiras.
"Quando você aumenta juros você transfere a riqueza que é produzida pelas empresas do setor real para o sistema financeiro."
Já o professor de economia da Universidade Federal do Ceará Fábio Sobral afirma que há diferentes interesses políticos dentro do campo econômico, e, nesse caso, os interesses dos setores especulativos estão sobressaindo.
De acordo com Sobral, há outras maneiras de se controlar a inflação que não passam por elevar a taxa de juros, como o controle de alguns preços-chave, como o de combustíveis, pela Petrobras.
"A inflação brasileira é muito sensível a aumento de combustíveis, aumento de energia elétrica, aumento de remédios. Então se você controla os preços administrados, boa parte da inflação é controlada."
Dessa forma, para os especialistas, a escolha pelo aumento do juros é mais do que ineficaz, é contraproducente, uma vez que mina a sustentação financeira do governo, que passa a ter de cortar as despesas sociais para se manter, enquanto torna o setor financeiro beneficiado e protegido. Ainda assim, é o principal remédio à alta da inflação vendido pelos economistas que montam o Focus.
"O Boletim Focus não é um grupo imparcial, é gente absolutamente interessada em que os juros subam", diz Sobral. "É óbvio que eles vão criar impressões de descontrole de uma macroeconomia em estado crítico para que eles tenham os benefícios políticos, econômicos."
Segundo o professor, o Brasil faz parte de um fluxo internacional de capitais que se aproveita dos altos juros a que são vendidos os títulos da dívida brasileira.
"Retiram empréstimos em países de juros baixíssimos, ou a até a 0% no Japão, convertem esse dinheiro em dólares e compram a dívida pública brasileira, obtendo lucro na diferença gigantesca."
"Tudo isso é pensado e é proposital. Tudo é trabalhado politicamente. A economia em sua grande parte pelos economistas é uma farsa, uma elaboração fajuta para defender seus interesses próprios."
*Da Sputnik Brasil, parceira do TODA PALAVRA
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