Volkswagen reconhece perseguição e tortura no Brasil
A Volkswagen disse nesta quarta-feira (23) que vai pagar cerca de R$ 36 milhões em indenizações e doações a ex-empregados perseguidos ou torturados durante a ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985.
O dinheiro será repartido entre os ex-funcionários que foram alvo de perseguições por suas orientações políticas, seguindo critérios definidos por um árbitro independente e sob a supervisão do MPT (Ministério Público do Trabalho).
Uma comissão que investiga abusos durante a ditadura no Brasil encontrou evidências de que empresas como a Volkswagen ajudaram os militares a identificar suspeitos "subversivos" e ativistas sindicais em suas fábricas.
Muitos dos trabalhadores foram demitidos, detidos ou assediados pela polícia e não conseguiram encontrar novos empregos durante anos.
A Volkswagen assinou um acordo com o Ministério Público que inclui o pagamento de R$ 16,8 milhões a uma associação de ex-funcionários e seus dependentes. O restante do valor será doado a organizações de defesa dos direitos humanos.
Em entrevista à Sputnik Brasil, a cientista política Clarisse Gurgel, Professora da Unirio, comentou que a atitude da empresa alemã faz com que aos poucos o Brasil vá recuperando a memória em relação ao período.
"O Brasil é um país que viveu uma ditadura cujo a resposta para ela foi muito insuficiente, em relação até a outros países da América Latina. Agora, aos poucos, o Brasil vai recuperando a memória da ditadura civil-militar e essa memória envolveu inclusive o reconhecimento de que a própria Volkswagen participou ativamente de algumas operações de repressão e tortura nesse período", afirmou.
A postura da Volkswagen é vista pelo cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), como também um recado ao presidente Jair Bolsonaro, entusiasta do período.
"Dado o momento de radicalização e da polarização que a gente vive, de ter um governo no Brasil que apoia a ditadura militar, que defende o legado da ditadura militar explicitamente, acho que é também uma sinalização forte de como as grandes empresas no mundo têm tido posições cada vez menos alinhadas com aquelas que o atual governo brasileiro defende. Creio que seja uma adesão que deve produzir um grande desconforto no governo Bolsonaro", disse à Sputnik Brasil.
A visão de que a postura da Volkswagen é decorrente de uma discordância entre algumas empresas multinacionais e o governo Bolsonaro também é compartilhada por Clarisse Gurgel.
"Elas cuidam agora de fazer uma espécie de gesto de reconhecimento do erro que cometeram, por isso uma autocrítica, e sinalizam para as empresas que hoje que apoiam o governo Bolsonaro que mais tarde serão elas a fazerem", comentou.
Cláudio Couto classifica a posição da Volkswagen como um "baque para o governo Bolsonaro".
"Na realidade [esse posicionamento] já vinha ocorrendo em outras áreas, como na questão ambiental. A gente tem uma posição por uma grande indústria, no caso da Volkswagen, não falando diretamente do governo Bolsonaro porque não se trata dele, se trata da ditadura militar, mas em função dessa afinidade entre os dois, dos repetidos elogios que Bolsonaro fez a ditadura de 64, tendo em vista esse alinhamento, essa posição da Volkswagen agora realmente representa um baque para o governo", afirmou.
Clarisse Gurgel alerta, no entanto, que a postura de empresas multinacionais em favor do meio ambiente ou contra a ditadura militar, como é o caso da Volkswagen, podem ser interpretadas também como estratégia de "melhorar a imagem" dessas companhias.
"Essa postura dessas multinacionais é uma postura que inclui uma estratégia de marketing que revitaliza o lugar das multinacionais como um sujeito que tem um espaço nesse mundo em que a sociedade percebe que existe um antagonismo entre o interesse do lucro e o interesse humano e social", ponderou.
Para Cláudio Couto, o fato de o período da ditadura ser alvo de disputas de narrativas mesmo após 55 anos do golpe que colocou as Forças Armadas no poder por 21 anos se deve a uma falta de reparação adequada por parte do Estado brasileiro às vítimas daquele período.
"É uma ferida aberta, sendo uma ferida aberta ela continua a arder. É aberta porque todas as reparações não foram feitas e os que ocupam hoje posições de poder são claramente elogiosos à ditadura militar", completou.
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