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É tempo de festa (?)

Atualizado: há 5 dias

Railane Borges


O fim do ano tem dessas coisas engraçadas. Ao mesmo tempo em que nos esforçamos para ligar um tal modo comemorativo, uma grande sensação de melancolia nos invade.

 Talvez seja a época em que sentimentos distintos mais se misturem. Lembramos de tudo que se passou. Passado recente e passado distante. Tentamos planejar saídas mirabolantes para o que ainda não alcançamos.

É preciso ter cuidado com isso. De repente é como se tivéssemos pressa, muita pressa. Todo mundo passa a correr de um lado para o outro a dar conta das ‘últimas’ demandas, como se de fato existisse alguma diferença entre o dia 31 de dezembro e o dia 1⁰ de janeiro. Como se um minuto fizesse toda a diferença entre quem fomos e quem seremos dali em diante.

 Isso me faz pensar no processo das cobras. Em como saem de dentro de suas próprias peles e exibem um couro brilhante, novo, colorido, a cada seis meses mais ou menos. Entretanto é preciso perceber também que isso não fará o tempo voltar.

Renovar e seguir em frente é a nossa maldição enquanto estivermos vivos. Apenas uma artimanha da natureza, uma parte de seu processo cíclico. Acalmar a mente nesses tempos em que uma alegria forçada se estabelece em todos na tentativa de estarem à altura da demanda construída em torno do evento, parece algo extraordinariamente difícil, porém necessário.

O tempo sempre será nosso grande desafio. Ao longo de um ano ele corre tão devagar que somos capazes de sentir o peso dos dias lentos, a densidade dos domingos à tarde quando se tem a barriga cheia de almoço. Mas no decorrer de um dia inteiro de tarefas extenuantes, vinte e quatro horas podem voar pela janela em poucos minutos sem que seja possível nos agarrar a nada, exaustos da nossa briga com o inenarrável.

Equilibrar essas duas realidades é abraçar nossos corpos vulneráveis à vida e a morte. Abraçar a nossa natureza.

Aqui no ocidente comemoramos o Natal mesmo sem compreender exatamente o que ele significa. Muitos dizem: “O nascimento de Jesus, oras”. Mas a maioria não sabe como isso começou, de quem foi a ideia de estabelecer esta data e como isso se deu. Não pretendo torturá-los com as respostas a essas perguntas, as quais eu me faço desde muito nova. Vou apenas me resguardar ao direito de observar suas ostentações com verdadeiros banquetes, toneladas de embalagens de “é só uma lembrancinha, não repara não”, e suas roupas chiques. (Todos bem trajados para o fim do mundo como se estivesse tudo na mais perfeita ordem por aí a fora)

Não vejo com profundo desprezo essa frivolidade da raça humana. Muito pelo contrário. Como uma mãe que pega a criança a sonhar com voos altos que jamais poderá realizar, reconheço o otimismo descuidado quase como um traço ingênuo de animais condenados que tentam mitigar sua mortalidade.

Mantenho a ternura no olhar e o silêncio, porque é o que se pode fazer, afinal. Mas não se encontram os valores cristãos em nenhuma dessas ocasiões. Jesus não está na sua roupa nova comprada para a ceia, nem na diversidade de pratos servidos, nem nas concessões discursivas que você fará para aturar as conversas em família, ou, na profusão de presentes inúteis que distribuímos porque é o que se faz. Ou não é? Bom, talvez não seja.

Enquanto seguimos o roteiro como bons figurantes que somos, os caminhões continuam a transportar granito, o estado continua fora de si tirando vidas e mais vidas de inocentes, por medo, por projeto de poder, por uma lógica construída sobre inimigos da ‘justiça’. Por despreparo e ineficiência de um sistema gerido por cacos de homens. As pontes e os aviões continuam a cair. Falhas mecânicas, corrupção, má-fé pública ou o clima caótico de final de ano, o que quer que cada um acredite. Sempre haverá um lunático em posse de um carro a jogá-lo nas multidões para passar uma mensagem de ódio. Uma criança ou adolescente em idade escolar expurgando o ódio dos papéis em que não cabem, a exclusão social, o preconceito que passam enquanto estão absolutamente sozinhos sem que nenhum adulto esteja de fato os escutando e vendo.

No verão, as águas voltarão a inundar as cidades, as bombas continuarão a explodir. Primeiro mais longe, depois mais perto. Não há absolutamente nada que possamos fazer além de abraçar o caos.

Você não precisa fingir que não está sentindo nada disso se estiver. Não precisa esconder as suas perdas, nem bancar a Alice em um mundo onde restaram poucas maravilhas. Você pode não engabelar suas crianças com milhares de brinquedos pretensamente divertidos e inúteis a distraí-los do que verdadeiramente importa.

Quando o Natal passou a ser apenas uma ode à gula e a espera por Papai Noel? E quem é afinal esse senhor nórdico benevolente que escolhe a dedo seus protegidos e lhes dá o que quiserem? Por que mantemos essa história? Não temos mágica suficiente na existência da vida consciente com a qual fomos presenteados? Está tudo bem não estar bem no fim do ano. Respire fundo quantas vezes for preciso. E não, NÃO FAÇA A PIADA DO PAVÊ.

Resgatar o sentido desta data poderia trazer mudanças realmente significativas para o convívio entre as pessoas. Uma síntese simples seria relacionar NATAL à chegada a este mundo. Mais um ser nascido! Logo estaríamos celebrando tudo que já viveu e vive. Relembrando as pessoas que nos trouxeram até aqui e que viveram estes dias antes de nós, contribuindo para que nos tornássemos quem somos em cada detalhe que absorvemos. O nosso milagre particular.

Mas um hábito é uma coisa tão difícil de se quebrar. Quem sabe no próximo ano?


Railane Borges é atriz e cineasta

13 kommentarer


Railane

Tenho acompanhado seus textos e de uma maneira muito singela digo que o que mais me encanta na sua leitura é a possibilidade do autor emprestar o seu olhar para o leitor e assim alcançar um pouco mais de serenidade. Parabéns por isso.

Ser apaixonada pela vida e apresentar um acalento em meio a tanta desesperança é um desafio enorme.

Prossiga-o!

Gilla

ruthbruno
há 4 dias

O início do texto remete à questão da relatividade do tempo. De fato um minuto de dor nos parece muito mais longo do que um minuto de alegria! Vejo a celebração na mudança de ano como um ato simbólico de renovação que o ser humano precisa para seguir em frente. Pode ser um momento de reflexão, um momento em que pensamos no que fizemos de bom, o que deixamos de fazer, onde erramos e como podemos melhorar. É claro que não há qualquer diferença entre o fim de qualquer dia e o inicio de outro e essas reflexões podem e devem ser diárias. Mas o corre-corre da vida nos coloca no modo automático e nossos pensamentos acabam sendo direcionados par…


Gilla

mabgomes2003
há 4 dias

Já tem um bom tempo em que já não nos importamos com roupas novas para celebrar o Natal Estarmos juntos à mesa , rindo e conversando é o que mais importa. A troca de presentes é um ritual que deixa feliz aquele que ao rasgar a embalagem se vê no que ganhou. Isto é afeto. Preparar a ceia é um ato de amor. E nem precisa ser regado a azeite. Basta ter união. Não é preciso ostentação. E a vida continua com seus bombardeios diários. Basta a nós não desistirmos de lutar!

Gilla

Que texto bonito, Railane. Sempre reflexivo. Às vezes doce, outras cruel, cortante. Mas sempre sensível ao detalhe dos sentimentos misturados ao momento. Grato.

Gilla

Gäst
há 4 dias

Que texto leve e preciso!Parabéns!

Nos últimos anos mudei meu conceito sobre estas festas de fim de ano e esse consumo desenfreado. Diminui consideravelmente a ceia, os presentinhos e valorizei mais os encontros. É possível ser feliz no simples, afinal, no dia seguinte tudo volta a ser como antes e vida que segue.


Redigerad
Gilla
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